sexta-feira, 23 de maio de 2008

“O meu desalento é profundo"


Discurso do então senador Jefferson Péres feito em 28 de agosto de 2006.


"Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, depois de uma longa ausência de algumas semanas, volto a esta Tribuna para manifestar o meu desalento com a vida pública deste País
Gostaria de estar aqui discutindo, como fez o Senador José Jorge, a respeito das riquezas naturais do Brasil, com as quais ele tanto se preocupa, e não como falarei, sobre algo muito pior: a dilapidação do capital ético deste País.
Senador José Jorge, poderíamos não ter um barril de petróleo nem um metro cúbico de gás, mas poderíamos ser uma das potências mundiais em termos de desenvolvimento.
O Japão não tem nada. Não tem petróleo, gás ou riquezas minerais. A Coréia do Sul também não tem nada disso, Senador Antonio Carlos, e nos dá um banho em termos de desenvolvimento não apenas econômico, mas também humano.
O que está faltando mesmo a este País e sempre faltou é uma elite dirigente com compromisso com a coisa pública, capaz de fazer neste País o que precisaria ser feito: investimento em capital humano.
Vejam que País é este. Estamos aqui com seis Senadores em pleno mês de agosto, porque estamos em recesso branco. Por que não se reduz a campanha eleitoral a trinta dias e transfere-se o recesso de julho para setembro? Nós ficaríamos com o Congresso aberto, de Casa cheia, até 31 de agosto. Faríamos trinta dias de campanha em recesso oficial, remunerado.
Estamos aqui no faz-de-conta. Como disse o Ministro Marco Aurélio, este é o País do faz-de-conta. Estamos fingindo que fazemos uma sessão do Senado, estamos em casa sem trabalhar. Estou em Manaus há quase um mês, recebendo, sem fazer nada para o Congresso Nacional, pelo menos.
Como se ter animação em um País como este com um Presidente que, até poucos meses atrás, era sabidamente "como o é" um Presidente conivente com um dos piores escândalos de corrupção que já aconteceu neste País e este Presidente está marchando para ser eleito, talvez, em primeiro turno? É desinformação da população? Não, não é.
Se fizermos uma enquete em qualquer lugar deste País, todos concordarão, ou a grande maioria, que o Presidente sabia de tudo. Então, votam nele sabendo que ele sabia. A crise ética não é só da classe política, não, parece que ela atinge grande parte da sociedade brasileira. Ele vai voltar porque o povo quer que ele volte. Democracia é isso. Curvo-me à vontade popular, mas inconformado.
Esta será uma das eleições mais decepcionantes da minha vida. É a declaração pública, solene, histórica do povo brasileiro de que desvios éticos por parte de governantes não têm mais importância. Isso vem até da classe dos intelectuais, dos artistas. Que episódio deplorável aquele que aconteceu no Rio de Janeiro semana passada! Artistas, numa manifestação de solidariedade ao Presidente, com declarações cínicas, desavergonhadas, Senador Antonio Carlos Magalhães!
Um compositor dizer que “política é isso mesmo, fez o que deveria fazer”, o outro dizer que “política é meter a mão na ‘m’”! Um artista, em qualquer país do mundo, é a consciência crítica de uma nação. Aqui é essa, é isso que é a classe artística brasileira, pelo menos uma grande parte dela, é o povo conivente com isso.
E pior, pior ainda: os artistas estão fazendo isso em interesse próprio, porque recebem de empresas públicas contratos milionários - isso é a putrefação moral deste País - , e o povo vai reconduzir o Presidente porque “política é isso mesmo”.
Tenho quatro anos de Senado. Não me candidatarei em 2010, não quero mais viver a vida pública. Vou cumprir o mandato que o povo do Amazonas me deu, não vou silenciar. Ele pode ser eleito com 99,9%. Eu estarei aí na tribuna dizendo que ele deveria ter sido mesmo destituído.
O que ele fez é muito grave. É muito grave. Curvo-me à vontade popular, mas não sem o sentimento de profunda indignação. A classe política já nem se fala, essa já apodreceu há muito tempo mesmo. Este Congresso que está aqui, desculpem-me a franqueza, é o pior de que já participei.
É a pior legislatura da qual já participei, Senador Antonio Carlos Magalhães. Nunca vi um Congresso tão medíocre. Claro, com uma minoria ilustre, respeitável, a quem cumprimento. Mas uma maioria, infelizmente, tão medíocre, com nível intelectual e moral tão baixo, eu nunca vi. O que se pode esperar disso aí? Não sei. Eu não vou mais perder o meu tempo. Vou continuar protestando sempre, cumprindo o meu dever.
Não teria justificativa dizer que não vou fazer mais nada. Vou cumprir rigorosamente o meu dever neste Senado até o último dia de mandato, mas para cá não quero mais voltar, não!
Um País que tem um Congresso desse, que tem uma classe política dessa, que tem um povo... Senador Antonio Carlos Magalhães, dizem que político não deve falar mal do povo. Eu falo, eu falo. Parte da população que compactua com isso? É lamentável. E que sabe. Não é por desinformação, não. E que não é só o povão, não. É parte da elite, inclusive intelectual.
Compactuam com isso é porque são iguais, se não piores. Vou continuar nessa vida pública? Para quê, Senador Antonio Carlos Magalhães? Eu louvo V. Exª, que é um pouco mais velho do que eu e vai continuar ainda. Mas, para mim, chega!
Vou continuar pelejando pelos jornais e por todos os meios possíveis, mas, como ator na vida política e na vida pública deste País, depois de 2010, não quero mais! Elejam quem vocês quiserem! Podem chamar até o Fernandinho Beira-Mar e fazê-lo Presidente da República - ele não vai com o meu voto, mas, se quiserem, façam-no.
O meu desalento é profundo. Deixo isso registrado nos Anais do Senado Federal. Infelizmente, eu gostaria de estar fazendo outro tipo de pronunciamento, mas falo o que penso, perdendo ou não votos pouco me importa. Aliás, eu não quero mais votos mesmo, pois estou encerrando a minha vida pública daqui a quatro anos, profundamente desencantado com ela.

Nenhum comentário: